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Gêmeo Digital – ABEQ

Olá, leitoras e leitores. Quem trabalha ou trabalhou próximo à produção na Indústria Química certamente já viu o processo “escapando” sem que ninguém soubesse dizer porquê.Ou ainda, teve que lidar com uma mudança abrupta de matéria-prima ou de uma variável de processo chave como pressão ou vazão de vapor.

Nesses momentos, um desejo recorrente seria ter um modelo do processo acurado o suficiente para prever as consequências de uma mudança por vir. Esse modelo (ou modelagem) existe e é cada vez mais comum na indústria química – é o gêmeo digital, ou em inglês, digital twin.

Na definição, um gêmeo digital é uma representação digital de um ativo físico (equipamento), processo ou sistema potencial (em projeto) ou real (existente).

O gêmeo digital é sincronizado com o gêmeo físico/real por meio de fluxos de dados bidirecionais em tempo real para previsão e otimização online “ao vivo”.

Métodos de inteligência artificial e aprendizado de máquina também podem ser integrados ao gêmeo digital para apoiar a tomada de decisão humana e autônoma para alterar o desempenho e o comportamento do ativo físico (Tanner e Newbery, 2022).

As simulações que formam o gêmeo digital podem ser mecanísticas, ou seja, baseadas em equações, ou baseadas em dados. Neste ponto do texto, vale a pena fazer uma pequena consideração sobre complexidade de modelos.

Modelos podem ser muito simples ou muito complexos, e o que deveria definir a complexidade de um modelo são os objetivos de uso deste.

Para explicar isso de maneira simples, roubo uma analogia apresentada a mim em uma aula da minha graduação pelo professor Cláudio Oller do Nascimento – as litografias d’O Touro (El Toro), de Pablo Picasso (Figura 1).

Figura 1: Série de 11 litogravuras “O Touro” de Pablo Picasso, feitas em 1945.

Figura 1: Série de 11 litogravuras “O Touro” de Pablo Picasso, feitas em 1945.

A série El Toro, de 1945, consiste de 11 litografias que partem de um desenho completo e eliminam tudo o que é supérfluo. Cada um deles representa um touro.

E, ao mesmo tempo, as linhas e detalhes são reduzidos sem nos impedir de reconhecer o animal.

Os desenhos passam pelo cubismo que popularizou o artista e terminam em um desenho muito simples de poucas linhas.

Se a ideia é representar um touro, todos os desenhos são igualmente bons, mas se eventualmente um detalhe anatômico for importante, por exemplo, então uma imagem mais complexa seria necessária.

Esse é o conceito que deve nortear a construção de um modelo.

Gêmeos digitais baseados em modelos mecanísticos são, em geral, mais robustos, por serem baseados em equações conhecidas e de uso consagrado.

Normalmente, os modelos de projeto podem ser adaptados. Já os gêmeos digitais baseados em (ajuste de) dados são mais simples de implantar, mas podem ter seu uso ou precisão limitados pela faixa de dados disponíveis.

É provável que uma abordagem híbrida seja mais robusta e útil.

Há uma variedade de aplicações que os engenheiros químicos podem encontrar para gêmeos digitais, incluindo gêmeos digitais de processo, de ativos (ou equipamentos) e de cadeia de suprimentos.

Esses três tipos estão frequentemente vinculados, e as suas configurações, conexões e dinamismo dependem da etapa do projeto (ou processo).

Os exemplos mais comuns de gêmeos digitais são os gêmeos dos processos que replicam vazões e fluxos energéticos das correntes, e são comumente usados para treinamento dos operadores, melhoria do processo ou assistência remota.

Há muitos anos, modelos de refinarias criados em simuladores de processos comerciais são usados no treinamento de operadores.

O gêmeo digital é um passo além, pois o modelo roda na sala de operação junto com o processo real de modo a antever consequências de perturbações, atuar para minimizar tais consequências e otimizar o funcionamento geral da fábrica.

As informações históricas do processo, como riscos de segurança relatados, medições manuais do processo ou observações feitas anteriormente podem ser sobrepostas ao gêmeo de processo para auxiliar na resolução de problemas.

Recentemente, usinas de açúcar e álcool passaram a utilizar gêmeos digitais de seus processos na operação. Empresas como Soteica e Pentagro oferecem esse tipo de solução ao setor.

Exemplos de gêmeos digitais de equipamentos podem se iniciar a partir de simulações de fluidodinâmica computacional em projetos mecânicos de equipamentos, de modo que o gêmeo digital ajude a resolver problemas de vibração, incrustação ou corrosão do equipamento, por exemplo, ajudando a otimizar a manutenção.

Por exemplo, Strand (2017), utilizando simulações de fluidodinâmica computacional e medições experimentais de condutividade elétrica, conseguiu gerar um modelo de previsão do tempo necessário para 95% de mistura completa em um tanque agitado com três tipos de impelidores.

Este modelo pode ser transposto para um gêmeo digital de equipamento (Figura 2).

Figura 2: Resultados de experimentos e simulação que permitem prever o tempo para 95% de mistura completa em um tanque agitado (adaptado de Strand, 2017).

Figura 2: Resultados de experimentos e simulação que permitem prever o tempo para 95% de mistura completa em um tanque agitado (adaptado de Strand, 2017).

Outra aplicação possível para gêmeos digitais seriam as cadeias de suprimento.

Esses modelos podem representar a rede de manufatura e logística de uma empresa, ou talvez a rede de serviços públicos em uma região ou país.

Uma vez que as previsões de oferta e demanda são introduzidas, é possível gerar ideias ou realizar otimizações complexas para apoiar a tomada de decisões.

Os gêmeos digitais da cadeia de suprimentos são complexos, mas podem ser usados em muitos níveis da organização para planejamento estratégico, resiliência e mitigação de riscos e operações do dia-a-dia (Tenner e Newbery, 2017).

Por exemplo, fábricas de especialidades químicas, normalmente baseadas em equipamentos em batelada multipropósitos, frequentemente mantêm estoques de todos os produtos em torno de 50% da capacidade dos tanques disponíveis, ainda que esta opção implique custos de operação maiores, por conta das frequentes falhas de previsões de vendas.

Um gêmeo digital interligando estoques de matérias-primas e produtos, processos industriais e pedidos de compras fechados poderia, por exemplo, utilizar inteligência artificial com históricos de previsão e realização de vendas para aumentar a confiabilidade das previsões e minimizar o estoque total da empresa.

Observações Finais

Gêmeos digitais, de equipamentos, processos, ou cadeias de suprimentos, podem desempenhar um papel crucial na busca da Indústria Química pela sustentabilidade, pois modelos aditivados com dados de operação em tempo real permitiriam a máxima economia de energia no processo, a minimização de fluxos logísticos (e, portanto, do uso de combustíveis) e a minimização da perda de insumos.

Contudo , duas questões demandam atenção dos engenheiros responsáveis:

1. A manutenção do gêmeo digital: os objetivos da empresa, as especificações dos produtos, o estado de manutenção dos equipamentos, a experiência dos operadores mudam o tempo todo e tais mudanças interferem positivamente ou negativamente no desempenho dos processos.

O gêmeo digital deve mudar junto com o gêmeo físico. Algoritmos de inteligência artificial ou aprendizagem de máquina podem calibrar periodicamente o gêmeo digital, mantendo-o atualizado. Contudo, a supervisão humana com verificações periódicas de aderência com os dados reais ainda será necessária.

2. A segurança (cibernética): gêmeos digitais implicaram a comunicação dos sensores do processo ou de informações críticas do negócio com dados externos. Cuidados com criptografia dos dados e níveis de acesso dos diferentes usuários são primordiais para garantir a segurança dos processos e do negócio.

Também a segurança física de processos deve ser considerada na utilização de gêmeos digitais, pois estes implicam naturalmente automação crescente de decisões sem supervisão humana.

3. A formação dos recursos humanos: engenheiros químicos e operadores de plantas precisaram de formação e conhecimentos específicos que possivelmente ainda não estão completamente incorporados aos currículos das escolas e cursos.

Referências

Tanner J, Newbery C. Digital Twins in the Chemical Process Industries. The Chemical Engineer, issue 976, October 2022. Disponível em: https://www.thechemicalengineer.com/features/digital-twins-in-the-chemical-process-industries/

Strand, Aaron, “Investigation of Blend Time for Turbulent Newtonian Fluids in Stirred Tanks” (2017). Thesis. Rochester Institute of Technology.


ABEQ

A Associação Brasileira de Engenharia Química (ABEQ) é uma entidade sem fins lucrativos que congrega profissionais e empresas interessadas no desenvolvimento da Engenharia Química no Brasil. É filiada à Confederação Interamericana de Engenharia Química. Seu Conselho Superior, Diretoria e Diretoria das Seções Regionais são eleitos pelos associados a cada dois anos.

Mais informações: https://www.abeq.org.br/

André Bernardo é Engenheiro Químico

O AUTOR

André Bernardo é Engenheiro Químico formado na Escola Politécnica da USP, com mestrado em Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos pela Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e Doutorado em Engenharia Química pela UFSCar. Trabalhou no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e em diferentes indústrias químicas. Atualmente é professor do departamento de Engenharia Química da UFSCar. contato: abernardo@ufscar.br

Fonte: https://www.quimica.com.br/gemeo-digital-abeq/

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